Se depender das cooperativas brasileiras, a implementação das Normas  Internacionais de Contabilidade não acontecerá tão cedo, com exceção  daquelas que seguem as regras das suas agências reguladoras, em especial  as cooperativas de Créditos e as Operadoras de Planos de Saúde. No  entanto, no caso das cooperativas em que a contabilidade é completamente  diferenciada, tanto em nomenclaturas quanto em interpretação de contas e  sistema tributário, padronizar como requer a lei, parece uma tarefa um  tanto quanto complicada.
Mas, para facilitar o entendimento e o trabalho dos contadores, em  especial em relação às cooperativas do segmento agropecuário, o Sistema  Ocergs Sescoop/RS está lançando um Manual de Contabilidade. Com  aproximadamente 300 páginas, o documento vai contemplar os aspectos  básicos da contabilidade e as legislações específicas aplicáveis a eles.  Além disso, haverá um capítulo reservado para uma abordagem completa  sobre a aplicação prática das normas trazendo um modelo de plano de  contas e de demonstrações contábeis. A organização e autoria são do  contador e coordenador da Comissão Contábil-Tributária do Sistema  Ocergs/Sescoop/RS, Dorly Dickel, que acredita finalizar a obra até final  de agosto, para ser distribuída em janeiro de 2012.
A normativa que está revolucionando o universo contábil foi  instituída em 2007 no Brasil após a publicação da Lei 11.638, a  International Financial Reporting Standards (IFRS), interpretada e  organizada pela International Accounting Standards Board (IASB),  presente em 112 países. De acordo com Dickel, que é especialista em  cooperativismo, enquanto não houver resolução de alguns pontos  polêmicos, não haverá implementação. Segundo ele, o conflito está nas  próprias normas.
O Rio Grande do Sul reúne 601 cooperativas cadastradas na Ocergs  (Sindicato e Organização das Cooperativas do Rio Grande do Sul). São  cerca de 2 milhões de associados, que geram 50 mil empregos diretos com  um faturamento anual de R$ 18 bilhões. As cooperativas gaúchas são  responsáveis por 10,11% do PIB do Rio Grande do Sul.
A demanda contábil do setor é grande e há alguns pontos polêmicos  para a aplicação das novas regras internacionais que envolvem questões  conceituais. A instrução emitida pelo Comitê de Pronunciamentos  Contábeis (CPC), o ICPC 14, modifica o lançamento da cota-parte dos  cooperados para o Passivo Não Circulante. A cota-parte corresponde ao  capital social que visa a assegurar a estabilidade patrimonial da  sociedade. Essa determinação é uma tradução da IFRIC 02, publicada em  novembro de 2004 pelo IASB.
Dickel explica que, no entendimento do Comitê, o capital da  cooperativa é um instrumento financeiro, mas, conforme ele, ela é um  instrumento patrimonial e deve manter-se no patrimônio líquido, pois, do  contrário, alteraria o próprio resultado do balanço, sendo classificada  em dívida. “Entendo que é um enorme equívoco a reclassificação, pois  acima de tudo contraria o próprio pronunciamento conceitual básico  emitido pelo CPC”, indigna-se o contador que vê nesta alteração a perda  da essência da contabilidade.
Além disso, na explicação de Dickel, a Lei nº 5.764/71, diz que o  capital somente pode ser devolvido aos cooperados quando houver  demissão, eliminação ou exclusão da sociedade. Ocorrendo um desses  eventos, ele deve ser reclassificado para o passivo, pois passa a ser  uma exigibilidade. “Enquanto não acontecer nenhum desses eventos, o  capital não satisfaz os requisitos para ser classificado desta forma”,  argumenta.
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis foi criado pela Resolução nº  1.055/05 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) e tem o objetivo de  estudar e emitir procedimentos contábeis, levando em conta a  convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais. Mas  o assunto tem merecido a atenção do CFC e de um grupo de contadores com  integrantes de diversos estados que se reúnem para discutir esse e  outros pronunciamentos do Comitê. Dickel, que é representante das  cooperativas gaúchas nesses debates, diz que os colegas também entendem  que as cotas de capital devem permanecer no patrimônio líquido das  cooperativas. Segundo ele, a Organização das Cooperativas Brasileiras  (OCB) está liderando as negociações acerca do assunto e cogita a  realização de um workshop internacional para tratar do tema. “Na Europa  que já está com o processo de convergência praticamente concluído, o  capital das cooperativas permanece classificado no patrimônio líquido”,  comenta.
Apesar das divergências, Dickel considera positiva a adoção das  normas internacionais e diz que elas deverão ser adotadas pelas grandes,  médias e pequenas cooperativas. “É evidente que o objetivo é aumentar a  confiabilidade das informações divulgadas e isso, em última análise,  visa a construir um cooperativismo mais seguro, confiável e  transparente, tanto para os associados quanto para os bancos e  fornecedores em geral”, finaliza.
Balanço da Santa Clara vai seguir modelo antigo
A cooperativa alimentícia Santa Clara, de Carlos Barbosa, está  cautelosa com relação à adoção das normas internacionais de  contabilidade. “As mudanças vão acontecer, pois são irreversíveis, mas  gradualmente”, destaca a gerente de contabilidade Lourdes Gabriel  Fracalossi. A explicação para que a reformulação do setor seja mais  lenta não é difícil de deduzir. “São muitas as mudanças e leva-se algum  tempo para se adaptar. Além do mais, as regras para esta modalidade  contábil variam muito e estão sendo constantemente orientadas pelo  Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC)”, justifica Lourdes. “Temos  que nos adequar e já estamos fazendo algumas implementações, mas com  dificuldades”, confessa.
Em razão disso, a cooperativa está a passos lentos, embora observe os  pronunciamentos do CPC, que, segundo a contadora, existem opiniões  divergentes, principalmente em relação ao que se refere à redução ao  Valor Recuperável de Ativos, ou Impairment, que na prática é o  instrumento utilizado para adequar o ativo a sua real capacidade de  retorno econômico. “Neste item, estamos nos adaptando, mas com cautela”,  salienta Lourdes.
A cooperativa contratou uma empresa especializada para fazer a avaliação  da vida útil dos bens e a redução do valor recuperável. Este  levantamento, segundo a contadora, também muda os resultados da empresa,  o que, em sua opinião, é uma das principais dificuldades da adaptação.  “A vida útil dos bens é uma questão de julgamento, até que ponto isso é  bom para a empresa?” questiona. Ela diz que as demonstrações contábeis  da Santa Clara já estão praticamente adequadas às normas internacionais,  mas o balanço de 2010 não seguirá o novo modelo. No caso do ajuste do  valor presente, a cooperativa emite cerca de 250 mil documentos mensais,  entre notas e cupons fiscais. “Imagina trazer tudo isso a valor  presente”, esclarece Lourdes.
De acordo com o contador e coordenador da Comissão  Contábil-Tributária do Sistema Ocergs/Sescoop, Dorly Dickel, a adoção do  ajuste a valor presente e de taxas de depreciação em conformidade com a  vida útil dos bens, valor justo de ativos, reclassificação e avaliação  de bens intangíveis, classificação e avaliação de ativos biológicos,  instrumentos financeiros, avaliação de propriedades para investimentos,  são alguns dos aspectos das normas internacionais que possuem grande  influência na apresentação dos balanços e na apuração dos resultados das  cooperativas. Mas, segundo ele, o processo de convergência está  avançando gradativamente.
Área de saúde é obrigada a adotar as regras
O Sistema Unimed, assim como outras cooperativas de saúde, obedece às  regras da Agência Nacional de Saúde (ANS) que determina a aplicação das  normas internacionais já para o balanço de 2010. De acordo com o  gerente do Núcleo Contábil da Unimed do Rio Grande do Sul, Jaime Luiz  Becker, a dificuldade para aplicação do novo formato está na própria  interpretação, muitas vezes divergente do entendimento dos contadores e  auditores.
Entre elas, está a Instrução do Comitê de Pronunciamento Contábil nº  10, o ICPC 10. “Estamos analisando a legislação da ANS, a Instrução  Normativa nº 47 e súmula 18, nas quais entendemos que possa existir uma  possível contrariedade quanto aos registros do custo atribuído, o  chamado deemed cost do Ativo Imobilizado com a determinação do ICPC 10.”  Apesar disso, segundo ele, a contabilidade das 26 Unimeds gaúchas está  totalmente adaptada às regras internacionais.
Especialista em cooperativismo, o coordenador da Comissão  Contábil-Tributária do Sistema Ocergs/Sescoop, Dorly Dickel, estranha a  determinação da ANS que solicita o estorno da avaliação do imobilizado  pelo custo atribuído, realizado em 2010. “Inexplicável essa atitude da  agência, pois o procedimento contábil adotado está regulamentado pelas  normas internacionais e, além disso, em muitos casos existia uma  defasagem entre o valor contábil dos bens e o valor justo em cerca de  300%, isto porque a última correção do valor somente foi permitida  legalmente em dezembro de 1995”, esclarece Dickel.
Mesmo com algumas divergências de interpretação das agências  reguladoras com os pronunciamentos contábeis, Dickel comenta que, na  carteira de clientes do seu escritório de contabilidade e auditoria, das  150 cooperativas, aproximadamente 40 delas pertencem ao ramo da saúde e  todas elas estão atendendo às normas internacionais.
Fonte: Jornal do Comercio/RS - 17/8
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