Disputa de valuation na Dell - Blog ContabilidadeMQ

Blog ContabilidadeMQ

Blog ContabilidadeMQ

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Disputa de valuation na Dell

Nas  minhas aulas sobre avaliação de empresas eu sempre enfatizo para o meus alunos que o processo de valuation é um processo de emitir uma opinião (bem fundamentada) sobre uma coisa, de modo a dar um número a esta coisa. Normalmente, chamamos esse número de "valor". 

Como cada um tem a sua opinião, o valor poderá ser diferente, dependendo das premissas que cada pessoa utilizou para colocar seu número na coisa avaliada.

A imagem abaixo serve para ilustrar isso. Eu a utilizei em uma palestra sobre "normatização contábil baseada em regras, princípios e objetivos", baseada em um artigo de coautoria minha com os Professores Edilson Paulo (UFPB) e Nelson Carvalho (USP).


Indo ao ponto, recentemente o Contabilidade Financeira divulgou o resultado de uma disputa judicial (documento completo aqui) que teve como base para decisão os laudos de valuation, vejam:
Recentemente a Corte de Delaware decidiu um caso relacionado com avaliação da empresa de computadores Dell.

Tudo começou quando a empresa anunciou, em janeiro de 2013, que iria retirar suas ações do mercado de capitais e torna-la uma empresa de capital fechado. Usando um empréstimo da Microsoft, Michael Dell e Silver Lake Partners, existia a proposta de comprar as ações por 13,65 cada. Este preço foi majorado para 13,88, sendo aceito em setembro de 2013.

Mas alguns acionistas não ficaram satisfeitos com a oferta e entraram na justiça, alegando que o preço estava baixo. Durante o julgamento da questão, as partes envolvidas contrataram especialistas. Da parte da Dell, os especialistas concluíram que o preço mais adequado seria 12,68 por ação. Já os peritos dos reclamantes consideraram que o valor justo da Dell seria 28,61 por ação. Uma diferença de mais de 100%, ou 28 bilhões.

Os experts em valuation das duas partes foram os Professores Bradford Cornell (acionistas que reclamavam um pagamento maior) e Glenn Hubbard (Dell), que estimaram os valores das ações em, respectivamente, $ 28,61 e $ 12,68. Que diferença, hein?! Coincidentemente, o maior valor foi o do avaliador de quem queria ganhar mais, teoricamente, e o menor valor foi o de quem queria pagar menos, teoricamente.

A diferença, percentual, entre os dois laudos é de 126%, o que dá  quase $ 28 bilhões de diferença. Wow!!!

O que levou a tamanha diferença na opinião final (colocar o número na coisa)?

1) PROJEÇÕES
Foram tantas diferenças que não tive uma ideia de como resumir aqui. Veja a partir da página 101.

2) TAXA DE CRESCIMENTO A PARTIR DO ANO TERMINAL

Cornell usou 1% e Hubbard usou 2%.

Só para vocês terem uma ideia, se assumirmos a perpetuidade (com o modelo de Gordon - no slide 15 eu explico essa matemática) com um fluxo de caixa de $ 10 (C) e uma taxa de desconto de 5% (r), teremos os seguintes valores presentes, respectivamente a uma taxa de crescimento (g) de 1% e 2%: $ 250 e $ 333,33. Imagina isso com bilhões de unidades monetárias?

3) TRIBUTOS

Cornell usou uma alíquota de 21% durante todo o seu período de projeção dos fluxos de caixa, enquanto que Hubbard utilizou uma alíquota de 17,8% durante o período de projeções normais e  35,8% no período terminal.

Não sei exatamente como foram calculadas essas alíquotas efetivas de 21% e 17,8% (o documento cita uma consultoria), porém, regra geral, a forma mais adequada e mais utilizada é aplicar uma alíquota efetiva (principalmente em empresas como a Dell que parecem ter uma boa habilidade para diferir o pagamento de tributos) e no período terminal utilizar a alíquota marginal, que neste caso é de 35,8%. 

Aparentemente, Hubbard utilizou a metodologia mais adequada: alíquota efetiva na estimação e marginal no valor terminal. Todavia, a Corte achou que assumir isso seria muita especulação: por que a Dell repatriaria seus recursos no exterior para pagar mais tributos a partir de 2023? Eles têm um ponto... porém no limite, a empresa terá que pagar todos os tributos.

4) CUSTO MÉDIO PONDERADO DE CAPITAL (WACC)

Os dois Professores discordaram em quase todos os inputs (só não discordaram da taxa livre de risco de 3,31%).  Destaco dois deles abaixo.

Por exemplo, Cornell usou a estrutura de capital do período pré-anúncio da aquisição, enquanto que Hubbard usou uma média das divulgações trimestrais desde 2011. Eu, possivelmente, utilizaria a mais recente, desde que não houve evidência de que o mais recente seria uma aberração.

Quanto ao beta, Cornell usou um beta médio dos pares, de 1,35; enquanto que Hubbard calculou o beta com retornos mensais num período de 2 anos. A Corte (e eu) concordou mais com Hubbard. Um adendo sobre isso: eu costumo utilizar retornos mensais para um período de 5 anos. Não sei qual foi a justificativa para a utilização de 2 anos para este caso, mas dependendo da justificativa, pode ser razoável.

CONCLUSÃO

Como eu disse no início, valuation é uma opinião que deve ser bem fundamentada. Sempre teremos um lado puxando o valor para cima e outro para baixo. Quem tiver o melhor argumento ganha!



2 comentários:

  1. "... Quem tiver o melhor argumento ganha!" Como diria o Prof. Sergio de Iudicibus "Subjetivismo Responsável".. Parabéns pelo artigo!

    ResponderExcluir

Translate