Eu dividi esse post em duas partes. A primeira é, na verdade, um argumento para um alerta feito na segunda parte.
PARTE 1: O Brazilian C-Bond pode ser usado como proxy para a taxa livre de risco no Brasil?
Na minha primeira aula de avaliação de empresas que falo sobre taxa livre de risco (Rf) eu alerto aos alunos que nós podemos usar títulos emitidos pelo governo brasileiro como Rf (C-Bonds - entenda aqui e aqui). O slide é esse aqui:
Veja, por exemplo, como Damodaran avaliou a Vale em 2014 (imagem abaixo). Ele não usou o Brazilian C-Bond, que já conteria o risco do Brasil. Ele incorporou no prêmio pelo risco do mercado (ERP) e custo do capital de terceiros (kd). Caso tivesse utilizado C-Bond, seria errado ele incorporar o risco específico do Brasil, uma vez que o Brazilian C-Bond já contém esse risco. Mas nós podemos sim usar o C-Bond, com os devidos cuidados.
Recomendo a todos que leiam um recente artigo do Professor Sanvincente sobre este tema. Passei esse artigo inclusive para os meus alunos lerem (estamos fundando uma Liga de Valuation na UFPB - veja a imagem abaixo da primeira reunião, em que discutimos esse artigo).
Já no resumo do artigo o Professor Sanvincente apresenta o ponto chave desse post. Nesse caso ele está se referindo especificamente à utilização de um índice de bolsa. É redundante inserir o risco Brasil, já que estamos usado o IBRX ou IBOV, por exemplo. A mesma ideia se aplica quando usamos o C-Bond para avaliar uma empresa brasileira em US$. O ERP é dado pela diferença entre o retorno do mercado (Rm) e a Rf, logo a Rf já contém o risco do país.
Sendo assim, o custo do capital próprio deveria ser (sendo o C-Bond a nossa Rf): C-Bond + beta*(Rm - C-Bond).
Caso não utilizemos o C-Bond (utilizemos um T-Bond dos EUA), o custo do capital deveria ser, segundo Damodaran: T-Bond + beta*(Rm - T-Bond) + Spread pelo risco do Brasil.
Matematicamente isso não é exatamente como esperado, porque nós assumimos que as empresas não têm a mesma exposição ao risco do País. Por exemplo, a Petrobras tem 87% das suas receitas provenientes do Brasil, enquanto que a Embraer tem apenas 21%, Alpargatas 60%, Natura 71% e assim por diante. (ainda podemos inserir aí o que ele chama de lambda, que é um "beta" para a exposição ao risco do país).
Além disso, seria injusto considerar a fórmula a seguir (que leva a uma demonstração matematicamente correta), pois a matemática não é tudo em valuation: [T-Bond + Spread pelo risco do Brasil] + beta*[Rm - (T-Bond + Spread pelo risco do Brasil)]. A injustiça está no fato de considerar que as empresas são expostas ao risco específico do país (teoricamente diversificável) na mesma proporção que estão expostas ao risco sistemático (teoricamente não diversificável, porém temos aqueles probleminhas clássicos da carteira de mercado).
Pois essa igualdade é válida: [T-Bond + Spread pelo risco do Brasil] + beta*[Rm - (T-Bond + Spread pelo risco do Brasil] = C-Bond + beta*(Rm - C-Bond); Em que C-Bond = T-Bond + Spread pelo risco do Brasil.
Abaixo um trecho do resumo do artigo:
(...) caso seja usado o índice de mercado local para a finalidade de estimação do custo de capital próprio de uma empresa, é redundante e incorreto acrescentar o prêmio por risco Brasil. O trabalho conclui com um exemplo de aplicação do enfoque usual e do enfoque resultante desta constatação a uma empresa real, e aponta que pode haver um erro de precificação correspondente a aproximadamente 17%.
PARTE 2: O Brazilian C-Bond pode ser usado como proxy para a taxa livre de risco no Brasil?
Bem, fazendo essa introdução conceitual, eu entro agora no alerta. Recebi um email de um aluno com um artigo que dizia mais ou menos isso:
O brady bond mais líquido do Brasil é o Brazilian C-Bond. Todavia, esse título não é uma boa proxy para a Rf porque ele possui correlação significativa com outros ativos brasileiros.
A ideia, na minha opinião, está mais ou menos OK. Supondo que exista UMA Rf, teoricamente ela não deve ter uma correlação muito forte com outros ativos, porque os outros possuem risco, sendo o retorno de um ativo dado pela soma da Rf com um prêmio adicional pelo risco desse ativo.
Mas deve existir alguma correlação, mesmo que baixa.
O problema do brasil é que nossa Rf é muito alta e o retorno do nosso mercado é geralmente baixo, fazendo com que o prêmio pelo risco do mercado seja baixo, assim o componente Rf tem um peso muito forte.
Os autores ainda complementam que a poupança como proxy para Rf é mais condizente, visto que a correlação e a volatilidade não foi significante. Mais ou menos OK também, porém devemos lembrar que a poupança, ainda assim, possui volatilidade.
Por que não utilizar os títulos do tesouro nacional emitidos no Brasil? Existem as antigas NTN-B Principal, com um componente que eu considero completamente livre de risco e ainda com retorno real, acima da inflação (geralmente entre 5% e 7% ao ano).
Essa não seria uma saída mais simples e teoricamente mais correta? Considerando que o risco de calote dos bancos é maior que o risco de calote do Brasil e que o risco de reinvestimento da poupança à mesma taxa é também maior do que nos títulos pré-fixados do Tesouro Nacional.
Há ainda a opção de simplesmente avaliar a empresa em US$, com todas as taxas, crescimento, fluxos de caixa etc em US$ e depois converter para R$. Essa solução é ainda mais fácil de se operacionalizar.
É isso aí. Esse tema é bem polêmico. Aceito críticas e sugestões quanto à minha escolha pelas NTN's, no lugar da famosa Selic, CDI e poupança, costumeiramente utilizadas no Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário