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quinta-feira, 19 de julho de 2018

[SLIDES] Taxa livre de Risco e Prêmio pelo Risco

Aqui estão os slides que serão utilizados nas nossas aulas sobre taxa livre de risco e prêmio pelo risco de mercado. Mais embaixo eu trago um texto didático explicando mais detalhes sobre o assunto da aula.









Stochastic Discount Factor e sua relação com o Prêmio de Risco de Mercado

1. Introdução

A precificação de ativos é um tema central em finanças, pois dela depende a avaliação correta de investimentos, a alocação eficiente de recursos e o funcionamento adequado dos mercados. Compreender como os preços são determinados é fundamental para investidores, gestores e formuladores de políticas, dado que discrepâncias na precificação podem gerar oportunidades de arbitragem ou indicar riscos não precificados. Nesse contexto, três conceitos emergem como pilares da teoria moderna de apreçamento de ativos: o Fator Estocástico de Desconto (Stochastic Discount Factor, SDF), a Arbitragem e o Prêmio de Risco de Mercado. Esses conceitos estão interligados e fornecem a base para modelos clássicos de precificação, além de orientarem a interpretação de evidências empíricas em diferentes mercados.

O SDF é essencial para a teoria de precificação, pois atua como um fator de ponderação dos fluxos de caixa futuros na obtenção do preço presente de um ativo. Sua existência está intimamente ligada ao princípio da ausência de arbitragem: se não houver oportunidades de lucro sem risco (arbitragem), então deve existir um SDF que precifique todos os ativos de forma consistente. Por sua vez, o prêmio de risco de mercado reflete a remuneração exigida pelos investidores para carregar risco, isto é, a diferença entre o retorno esperado de um ativo arriscado e a taxa livre de risco. Compreender por que esse prêmio existe e como é determinado está no centro de modelos como o CAPM (Capital Asset Pricing Model) e seus sucessores.

O objetivo deste paper é explorar de forma integrada esses três tópicos – SDF, arbitragem e prêmio de risco – destacando seus conceitos fundamentais, referenciando trabalhos seminais (como Lucas, 1978; Cochrane, 2001; Harrison & Kreps, 1979; Harrison & Pliska, 1981; Sharpe, 1964; Lintner, 1965; Fama & French, 1992; Mehra & Prescott, 1985) e discutindo evidências empíricas nos Estados Unidos e no Brasil. A seção 2 define o Fator Estocástico de Desconto e sua relação com precificação de ativos e arbitragem, apresentando modelos clássicos e evidências empíricas. Na seção 3, discute-se o conceito de arbitragem, o Teorema Fundamental da Precificação e as implicações em diferentes cenários de mercado, incluindo estratégias práticas e limitações reais. A seção 4 aborda o prêmio de risco de mercado, desde o CAPM até extensões multifatoriais, passando pelo Equity Premium Puzzle e comparações entre EUA e Brasil. Na seção 5, integrando os conceitos, mostramos como SDF, arbitragem e prêmio de risco se conectam nos modelos atuais e comentamos o impacto de novas tecnologias e big data na precificação de ativos. Por fim, a seção 6 conclui o trabalho sintetizando os principais pontos e apontando desafios futuros e novas frentes de pesquisa.

2. Fator Estocástico de Desconto (SDF)

Definição e conceito fundamental: O fator estocástico de desconto (SDF), também conhecido como kernel de precificação ou taxa marginal de substituição intertemporal, é uma variável aleatória que relaciona os pagamentos futuros de um ativo ao seu preço presente. Formalmente, seja $p_i$ o preço hoje de um ativo $i$ que gerará um pagamento aleatório $\tilde{x}_i$ no futuro. Então, existe um SDF $\tilde{m}$ tal que:

pi=E[m~x~i],p_i = E[\tilde{m}\,\tilde{x}_i],

onde $E[\cdot]$ denota a esperança sob a distribuição de probabilidades relevante. Intuitivamente, $\tilde{m}$ atua como um fator que “desconta” os payoffs futuros, podendo assumir valores maiores em estados do mundo onde a utilidade marginal da riqueza é alta (por exemplo, em estados “ruins” quando o consumo é baixo) e valores menores em estados “bons”. Dessa forma, ativos que pagam bem em estados ruins (ou seja, quando $\tilde{m}$ é alto) tendem a ter preços presentes mais elevados, pois oferecem uma espécie de seguro; em contraste, ativos que pagam bem apenas em estados bons (quando $\tilde{m}$ é baixo) terão preços mais baixos e exigem um prêmio de risco mais alto.

Relação com a precificação de ativos e ausência de arbitragem: A existência de um SDF está garantida pela condição de ausência de arbitragem nos mercados. O Teorema Fundamental da Precificação de Ativos, em sua primeira parte, estabelece que se não houver arbitragem, então existe ao menos um conjunto de probabilidades (uma medida de probabilidade equivalente) que permite precificar todos os ativos de forma consistente​. Em termos estocásticos, isso equivale à existência de um SDF estritamente positivo $m$ que satisfaz $E[m R_i] = 1$ para todos os retornos brutos $R_i$ dos ativos (definindo o retorno bruto $R_i = \tilde{x}_i / p_i$, que inclui o payoff e a devolução do principal). Essa condição, $E[m R_i] = 1$, é uma reformulação da equação de precificação, indicando que, na ausência de arbitragem, todos os ativos devem ter o mesmo valor esperado de $m R$ (igual a 1). Em outras palavras, existe uma medida neutra ao risco (ou medida equivalente $Q$) sob a qual os preços descontados dos ativos seguem um martingal (Harrison & Kreps, 1979; Harrison & Pliska, 1981).

Modelos clássicos e seminalidade – Lucas (1978), Cochrane (2001): O trabalho seminal de Lucas (1978) introduziu um modelo de precificação de ativos em um contexto de equilíbrio geral com consumo intertemporal. Nesse modelo, o SDF é dado pela taxa marginal de substituição entre consumo presente e futuro: $\tilde{m}t = \beta \cdot \frac{u'(c{t+1})}{u'(c_t)}$, onde $\beta$ é o fator subjetivo de desconto do agente e $u'(\cdot)$ é a utilidade marginal do consumo. Lucas mostrou que, em equilíbrio, $p_t = E_t[\tilde{m}{t+1} \tilde{x}{t+1}]$, alinhando a precificação de ativos com as escolhas de consumo intertemporal dos agentes. Posteriormente, Cochrane (2001) consolidou o arcabouço de SDF em seu livro Asset Pricing, evidenciando que diversos modelos de apreçamento (como CAPM, CCAPM, APT) podem ser entendidos como casos particulares de diferentes especificações para o SDF. Por exemplo, no CAPM, o SDF pode ser escrito linearmente em função do retorno do mercado; já no CCAPM (Consumption CAPM), o SDF está ligado à taxa marginal de substituição do consumo (conforme o modelo de Lucas). A abordagem via SDF é poderosa por sua generalidade: qualquer modelo de precificação livre de arbitragem pode ser descrito por algum fator de desconto estocástico apropriado.

Evidências empíricas nos EUA e no Brasil (estimativas do SDF): Testar empiricamente modelos baseados em SDF é um desafio, pois requer identificar os fatores de risco que compõem esse fator de desconto. Nos Estados Unidos, a literatura documenta dificuldades em ajustar um SDF baseado apenas no consumo agregado para explicar os retornos de ações e outros ativos – é o caso do Equity Premium Puzzle (Mehra & Prescott, 1985), onde o alto prêmio histórico das ações americanas não pode ser explicado por um SDF derivado de preferências usuais sem assumir uma aversão ao risco irrealisticamente alta. Em outras palavras, o modelo de consumo de Lucas (1978) preveria um prêmio de risco muito menor do que os ~6–8% observados historicamente nas ações dos EUA, evidenciando que o SDF gerado por esse modelo não é consistente com os dados. Ainda assim, muitas extensões de preferências e modelos foram propostas (ex.: preferências não tradicionais, hábito no consumo, risco de desastres raros), mas sem resolver completamente o puzzle.

No contexto brasileiro, Costa Jr. e Moreira (2006) aplicaram a metodologia de Hansen & Jagannathan (1991) ao mercado acionário local e concluíram que não havia evidências dos puzzles do prêmio de risco de ação nem da taxa livre de risco baixa quando os cálculos consideravam os prêmios em vez de retornos absolutos. Ou seja, os elevados prêmios de risco documentados nos EUA podem não se manifestar da mesma forma no Brasil.

Exemplos práticos (aplicações no valuation e precificação de derivativos): O conceito de SDF tem aplicações diretas em várias áreas das finanças. Por exemplo, no valuation de projetos e empresas, pode-se interpretar o desconto de fluxos de caixa futuros via uma taxa apropriada como um caso de aplicação de um SDF implícito (derivado dos fatores de risco do projeto ou empresa). Na precificação de derivativos, o SDF se relaciona à chamada medida martingal equivalente ou medida neutra ao risco: sob certas condições (como mercados completos e sem arbitragem), existe um SDF associado à taxa livre de risco que permite precificar derivativos como a esperança neutra ao risco de seus payoffs descontados. Por exemplo, o preço de uma opção pode ser expresso como $E^*[\tilde{m}{\text{rf}} \cdot \text{payoff}{\text{opção}}]$, onde $\tilde{m}_{\text{rf}}$ é o SDF correspondente ao desconto pela taxa livre de risco (no mundo neutro ao risco). Além disso, gestores de investimentos utilizam a ideia de SDF ao atribuir orçamentos de risco: um portfólio é montado de forma a maximizar retornos esperados para um dado nível de risco, o que implicitamente significa ponderar os payoffs futuros pelos trade-offs de risco e retorno – conceito intimamente ligado ao SDF. Em suma, seja na teoria ou na prática, o fator estocástico de desconto fornece um elo entre preferências, risco e preços de ativos, sendo uma peça-chave para compreendermos a precificação no mercado financeiro.

3. Arbitragem

Definição e conceito fundamental: Arbitragem é definida como a possibilidade de obter lucro sem risco e sem investimento inicial. Em outras palavras, uma oportunidade de arbitragem ocorre quando é possível construir um portfólio de ativos que não requer desembolso (ou requer um valor muito pequeno), não apresenta risco de perdas e ainda assim oferece algum ganho positivo. Em mercados eficientes e competitivos, assume-se que tais oportunidades são rapidamente exploradas e eliminadas, pois vários participantes tentariam aproveitá-las até que os preços se ajustassem. A arbitragem é, portanto, um conceito central para garantir a coerência dos preços relativos dos ativos: se dois ativos têm payoffs equivalentes, devem ter o mesmo preço; do contrário, haveria arbitragem ao comprar o mais barato e vender o mais caro simultaneamente.

Teorema Fundamental da Precificação de Ativos: A ausência de arbitragem está ligada matematicamente à existência de um fator de precificação linear, conforme discutido na seção anterior. Formalmente, o primeiro teorema fundamental (Harrison & Kreps, 1979) afirma que, se o mercado não permite arbitragem, então existe ao menos uma medida de probabilidade equivalente QQ (também chamada de medida neutra ao risco) sob a qual os preços dos ativos, descontados pela taxa livre de risco, seguem um martingal. Essa medida QQ induz a existência de um SDF positivo m=dQdPm = \frac{dQ}{dP} que precifica os ativos como pi=EP[mx~i]p_i = E^P[m \tilde{x}_i]. O segundo teorema fundamental (Harrison & Pliska, 1981) acrescenta que, se além de não haver arbitragem o mercado for completo (isto é, se para qualquer payoff contingente existe um portfólio de ativos que o reproduz), então essa medida neutra ao risco QQ é única. Em outras palavras, em mercados completos os preços são unicamente determinados pela condição de ausência de arbitragem, enquanto em mercados incompletos podem existir múltiplos SDFs (ou medidas equivalentes) compatíveis com a ausência de arbitragem, resultando em intervalos de preços possíveis para alguns ativos não perfeitamente hedgeáveis.

Mercados completos vs. incompletos: Em mercados completos (onde todo risco é segurável), a ausência de arbitragem implica um SDF único e preços únicos para todos os ativos; já em um mercado incompleto, mesmo sem arbitragem podem existir múltiplos SDFs compatíveis, levando a preços não únicos para certos ativos (risco não plenamente segurável).

Aplicações práticas e estratégias de arbitragem: Embora a arbitragem pura (livre de risco e custo) seja rara, a ideia impulsiona estratégias conhecidas como arbitragem estatística. Nessas estratégias, os investidores procuram distorções de preço entre ativos correlacionados ou economicamente relacionados (por exemplo, ações de empresas similares, ou um ativo e seu derivativo) e montam posições opostas (comprada e vendida) para lucrar quando os preços retornarem à relação histórica esperada. Um caso comum é o trade de pares, onde duas ações com fundamentos semelhantes que se desviaram em desempenho são negociadas esperando-se convergência. Essas operações tentam capturar lucros praticamente isentos de risco, mas geralmente envolvem riscos residuais (por exemplo, o evento esperado não ocorrer ou relações que mudam estruturalmente) e custos de transação.

Dificuldades reais (custos de transação, restrições institucionais): Na prática, vários fatores limitam a exploração de arbitragem. Custos de transação (corretagem, spreads, impostos) podem erodir o lucro teoricamente garantido de uma arbitragem, tornando-a inviável. Além disso, há restrições institucionais e regulatórias: alguns investidores não podem vender a descoberto determinados ativos ou enfrentam limites de alavancagem, o que impede que tirem proveito pleno de certas ineficiências. Shleifer e Vishny (1997) discutem os limites da arbitragem, mostrando que mesmo quando existe um desvio claro de preço (por exemplo, uma ação claramente subvalorizada em relação aos fundamentos), os arbitradores profissionais têm horizonte finito e enfrentam risco de liquidação antecipada (caso os preços continuem divergindo por muito tempo, investidores podem resgatar seus recursos), o que os torna cautelosos. Assim, essas limitações implicam que preços podem se manter desalinhados dos valores teóricos por períodos prolongados, e anomalias (ineficiências de mercado documentadas empiricamente) podem persistir, desafiando a visão de mercados plenamente eficientes.

4. Prêmio de Risco de Mercado

Definição e importância: O prêmio de risco de mercado é a diferença entre o retorno esperado de um ativo (ou portfólio de mercado) e a taxa de retorno livre de risco. Ele representa a compensação exigida pelos investidores por assumir riscos não diversificáveis. Por exemplo, se espera-se que o mercado acionário tenha um retorno de 10% ao ano e a taxa livre de risco (como a de um título do Tesouro) é 3%, o prêmio de risco de mercado é de 7% ao ano. Esse conceito é crucial porque grande parte das decisões de investimento envolve trocar retorno esperado por risco; um prêmio de risco alto indica que os investidores exigem retornos substancialmente maiores para manter ativos arriscados, enquanto um prêmio de risco baixo sugere maior tolerância ao risco ou confiança de que os riscos são menores.

Modelo CAPM e extensões (Sharpe, 1964; Lintner, 1965; Fama & French, 1992): O modelo de precificação de ativos de capital (CAPM) é a formulação clássica do prêmio de risco de mercado. Desenvolvido independentemente por William Sharpe (1964) e John Lintner (1965), o CAPM estabelece que o retorno esperado de um ativo $i$ é dado por:

E[Ri]=Rf+βi(E[Rm]Rf)

onde $R_f$ é a taxa livre de risco, $E[R_m] - R_f$ é o prêmio de risco do mercado (excesso de retorno esperado do portfólio de mercado) e $\beta_i$ é o beta do ativo $i$ (sensibilidade do retorno do ativo às variações do retorno do mercado). O CAPM parte de premissas simplificadoras (investidores homogêneos, preferências quadráticas ou distribuições normais, possibilidade de investir à taxa livre de risco) para concluir que o portfólio de mercado é eficiente na fronteira média-variância, e portanto o beta de um ativo é o único fator relevante para explicar seu retorno esperado em equilíbrio. O prêmio de risco de mercado $E[R_m] - R_f$ é comumente chamado de prêmio de risco do mercado acionário (equity risk premium) e é uma entrada fundamental em modelos de custo de capital e alocação de ativos.

Com o tempo, evidências empíricas lançaram dúvidas sobre a capacidade do CAPM de explicar sozinho as diferenças de retorno entre ativos. Fama e French (1992) mostraram que características como o tamanho da empresa (valor de mercado) e o valor contábil sobre valor de mercado (book-to-market) possuem poder explanatório para os retornos, além do que o beta de mercado capturava. Isso levou à formulação do modelo de três fatores de Fama & French, no qual além do fator de mercado, há um fator relacionado a tamanho (Small Minus Big, SMB) e outro relacionado a valor (High Minus Low, HML) que capturam prêmios de risco adicionais associados a essas características. A interpretação é que os investidores exigem prêmios extras para carregar ações de empresas pequenas ou com alto valor contábil/mercado, possivelmente devido a riscos adicionais não capturados pelo mercado amplo. Desde então, diversos outros fatores foram propostos (momento, volatilidade, investimento, lucratividade, etc.), ampliando modelos multifatoriais de precificação e mostrando que o conceito de prêmio de risco é multifacetado.

Equity Premium Puzzle (Mehra & Prescott, 1985) e desenvolvimentos posteriores: Mehra e Prescott, em um influente estudo de 1985, destacaram que, ao analisar quase um século de dados nos EUA, o retorno médio das ações superou o dos títulos seguros em magnitude muito maior do que a prevista por modelos padrão de escolha intertemporal. Especificamente, eles constataram um prêmio de risco médio de cerca de 6% ao ano nos EUA no período analisado, enquanto modelos baseados em utilidade esperada com coeficientes de aversão ao risco razoáveis preveriam um prêmio muito menor (na casa de 1% ou menos). Essa discrepância ficou conhecida como o Equity Premium Puzzle (EPP). A implicação é que ou os investidores são muito mais avessos ao risco do que se imaginava, ou há falhas na formulação do modelo (por exemplo, na medida do risco relevante ou nas preferências assumidas).

Desde então, muitas soluções foram propostas, alterando preferências (p.ex., incluir aversão à perda de curto prazo, como em Benartzi & Thaler, 1995, ou preferências não usuais como Epstein & Zin, 1989) ou adicionando riscos/fricções (custos de transação, mercados incompletos, eventos raros) para tentar reconciliar teoria e dados. Embora tais extensões tenham obtido algum sucesso parcial, o EPP permanece como uma questão em aberto, especialmente considerando diferentes países e períodos.

Evidências empíricas (EUA vs. Brasil): Nos EUA, a magnitude historicamente elevada do prêmio de risco é bem documentada e serviu de base para grande parte da discussão teórica. Já em outros mercados, os resultados variam. No Brasil, a análise empírica do prêmio de risco é dificultada por mudanças estruturais (inflação elevada até meados da década de 1990, reformas monetárias, etc.) e pela relativa juventude do mercado acionário moderno (especialmente após o Plano Real de 1994). Estudos focados no período mais recente (pós-2000) apresentam resultados interessantes: por exemplo, alguns trabalhos encontraram que o prêmio de risco ex-post (realizado) das ações brasileiras não é tão alto quanto o americano quando comparado em bases similares​, possivelmente devido aos altos patamares da taxa livre de risco local (que reduzem o excesso de retorno percentual observado). Outros estudos, ao contrário, apontam que dependendo do horizonte e metodologia, o prêmio de risco no Brasil pode ter sido muito elevado em determinados períodos – por exemplo, uma análise de longo prazo encontrou um prêmio médio acima de 20% ao ano, porém acompanhado de volatilidade extremamente alta​, tornando os intervalos de confiança bastante amplos. De modo geral, pode-se dizer que enquanto nos EUA o desafio é explicar um prêmio de risco persistentemente alto e relativamente estável, no Brasil o desafio está em lidar com uma variabilidade maior e influenciada por fatores macroeconômicos (como inflação e risco-país). Ainda assim, ambos os mercados confirmam a noção básica de que investidores exigem alguma remuneração extra por risco – o quanto e por quê são questões que alimentam a pesquisa em finanças.

Aplicaões e implicações para alocação de ativos: O prêmio de risco de mercado é um insumo fundamental na construção de portfólios e na avaliação de investimentos. Em alocação de ativos, por exemplo, modelos de média-variância à la Markowitz dependem de estimativas de retornos esperados – e é comum assumir que ações terão retornos esperados superiores aos da renda fixa justamente incorporando um prêmio de risco. A escolha do quanto investir em ações vs. ativos seguros depende criticamente da expectativa de prêmio de risco: se este for alto, investidores de longo prazo tendem a alocar mais em ações; se for baixo ou muito incerto, a alocação ótima em ações diminui. Na precificação de empresas (valuation) e projetos, o prêmio de risco entra no cálculo do custo de capital (por exemplo, via CAPM para estimar o custo do capital próprio): um prêmio de risco de mercado maior implica taxas de desconto mais elevadas para fluxos de caixa de projetos arriscados, diminuindo seus valores presentes. Assim, entender e estimar corretamente o prêmio de risco tem impactos práticos – em avaliadores definindo taxas de desconto, em gestores calibrando expectativas de retorno e mesmo na formulação de políticas (pois um prêmio de risco muito alto pode sinalizar que investidores percebem o ambiente como arriscado, talvez requerendo ações para reduzir incertezas sistêmicas).

5. Integração dos Conceitos

A conexão entre SDF, arbitragem e prêmio de risco é direta e se reflete nos modelos de precificação modernos. Conforme discutido, a ausência de arbitragem garante a existência de um fator estocástico de desconto que precifica todos os ativos. Esse mesmo SDF carrega em si as informações sobre risco e preferências que determinam os prêmios de risco: matematicamente, para um ativo qualquer com retorno $R_i$, podemos relacionar seu excesso de retorno esperado à covariância com o SDF. Especificamente, uma formulação-chave é $E[R_i] - R_f = - \frac{\text{Cov}(m, R_i)}{E[m]}$, o que mostra que ativos que covariam negativamente com o fator de desconto (isto é, que pagam mal em estados de utilidade marginal alta) têm $E[R_i] - R_f$ positivo e alto – ou seja, requerem um prêmio de risco significativo. Essa é essencialmente a intuição por trás do CAPM e de outros modelos: o fator de desconto em um CAPM simples é uma função decrescente do retorno do mercado, de modo que um ativo com beta alto (que cai muito em estados de mercado ruim) terá alta covariância negativa com o SDF e, consequentemente, alto prêmio esperado.

Em modelos multifatoriais, o SDF pode ser expresso como combinação linear de fatores (por exemplo, $m = 1 - b_1 f_1 - b_2 f_2 - ...$, sob normalização adequada), e então o prêmio de risco de cada fator é determinado pelo seu preço de risco (associado à covariância do fator com $m$). A noção de arbitragem ajuda a restringir quais fatores são necessários: se houvesse um fator redundante que não contribui para riscos não diversificáveis, então uma combinação de ativos poderia gerar arbitragem (ao eliminar exposição a fatores “precificados” e sobrar exposição a um fator “gratuito”), o que não é possível. Assim, os modelos de precificação buscam identificar um conjunto parsimonioso de fatores de risco sistemático que, através do SDF correspondente, expliquem os prêmios observados sem deixar brechas para arbitragem.

Novas tecnologias e big data têm influenciado a precificação de ativos. Grandes bases de dados e aprendizado de máquina permitiram identificar diversos possíveis fatores de risco adicionais, levantando preocupações de sobreajuste mas também refinando a compreensão do que é precificado. Por outro lado, algoritmos de trading e sistemas automatizados tornam os mercados mais eficientes (menos arbitragem fácil), mas introduzem novos riscos (p.ex., flash crashes) e possíveis prêmios de risco ligados à liquidez e à estrutura de mercado. Em paralelo, big data possibilita análises de risco mais granulares, permitindo precificações e estratégias de arbitragem mais especializadas. Em suma, a integração conceitual de SDF, arbitragem e prêmio de risco continua válida, mas as ferramentas para investigá-la e aplicá-la estão em evolução rápida.

6. Conclusão

Em suma, o fator estocástico de desconto, a arbitragem e o prêmio de risco de mercado são conceitos interligados que sustentam a precificação de ativos na teoria financeira moderna. O SDF unifica a precificação ao ligar preferências intertemporais aos preços de ativos; a ausência de arbitragem garante consistência nos preços e a existência de um SDF válido; e o prêmio de risco quantifica a remuneração por riscos sistêmicos não diversificáveis. Evidenciamos que, apesar desses princípios gerais valerem em qualquer mercado, as especificidades empíricas podem diferir entre economias desenvolvidas (como os EUA) e emergentes (como o Brasil), reforçando a importância de contextualizar modelos à realidade local. Desafios futuros incluem aprimorar a modelagem do SDF para novos choques e classes de ativos (e.g., criptoativos), incorporar aspectos comportamentais na precificação e explorar big data e inteligência artificial para identificar e precificar riscos em tempo real. Além disso, a integração de riscos emergentes (como climáticos ou pandêmicos) nas noções de arbitragem e prêmio de risco desponta como uma nova fronteira de pesquisa. A trinca SDF–arbitragem–prêmio de risco permanece, assim, no cerne das finanças, provendo a base conceitual para compreendermos os preços dos ativos em um mundo em constante evolução.

7. Referências Bibliográficas

Benartzi, S., & Thaler, R. (1995). Myopic loss aversion and the equity premium puzzle. Quarterly Journal of Economics, 110(1), 73-92.

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