Instrumentos de Renda Fixa e Renda Variável: Fundamentos e Implicações Contábeis e Financeiras - Blog ContabilidadeMQ

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domingo, 13 de abril de 2025

Instrumentos de Renda Fixa e Renda Variável: Fundamentos e Implicações Contábeis e Financeiras

Este artigo tem como objetivo apresentar uma análise abrangente e aplicada dos instrumentos de renda fixa e renda variável, com ênfase em seus fundamentos financeiros, modelos de valuation e tratamento contábil conforme as normas internacionais de contabilidade. O texto se destina a estudantes, professores e profissionais que atuam na interseção entre finanças e contabilidade, oferecendo uma abordagem integrada que alinha teoria econômica, normas contábeis (CPCs/IFRS) e evidências empíricas.



O problema prático que motiva esta análise reside na complexidade enfrentada por investidores e empresas ao escolher entre diferentes instrumentos de financiamento ou investimento, considerando seu impacto sobre risco, retorno, estrutura de capital e apresentação contábil. Essa decisão é ainda mais crítica em contextos como o financiamento de startups, onde instrumentos híbridos como debêntures conversíveis exercem papel central. Ao longo do artigo, exploraremos como o correto entendimento desses instrumentos pode contribuir para decisões mais informadas e alinhadas com os objetivos de longo prazo.


2. Desenvolvimento

2.1 Instrumentos de Renda Fixa

2.1.1 Natureza, Tipos e Características

Os instrumentos de renda fixa representam títulos de dívida nos quais o emissor se compromete a pagar ao investidor uma remuneração pré-determinada, seja ela prefixada, pós-fixada ou híbrida. Entre os principais estão os títulos públicos (Tesouro Direto), debêntures, CDBs, CRIs, CRAs e letras financeiras. A estrutura contratual desses ativos define valor nominal, taxa de remuneração, periodicidade de pagamento, prazos e eventuais garantias.

2.1.2 Valuation de Títulos de Renda Fixa

O valuation de instrumentos de renda fixa baseia-se na atualização dos fluxos de caixa esperados (cupons e principal) por uma taxa de desconto compatível com o risco do emissor e com a curva de juros vigente. A fórmula geral é:

P=t=1nC(1+r)t+F(1+r)nP = \sum_{t=1}^{n} \frac{C}{(1 + r)^t} + \frac{F}{(1 + r)^n}

Onde:

  • PP: preço do título;

  • CC: pagamento periódico de juros (cupom);

  • FF: valor nominal (face value);

  • rr: taxa de desconto (yield);

  • nn: número de períodos.

Além do preço, é essencial considerar:

  • Duration: média ponderada dos prazos dos fluxos de caixa, que mede a sensibilidade do título à variação da taxa de juros;

  • Convexidade: refina a estimativa de variação de preço com base em grandes alterações de juros.

Exemplo prático: Uma debênture da Vale paga cupons semestrais de R$ 40, tem valor nominal de R$ 1.000, vencimento em 3 anos e yield de mercado de 8% a.a. O preço do título pode ser obtido pela fórmula acima e ajustado conforme mudanças na curva de juros.

2.1.3 Contabilização: Custo Amortizado, FVPL e FVOCI

Conforme a NBC TG 48 / IFRS 9, a classificação dos ativos financeiros depende do modelo de negócios e do teste SPPI (Solely Payments of Principal and Interest):

  • Custo amortizado: ativos mantidos para recebimento de fluxos contratuais.

  • Valor justo por meio do resultado (FVPL): ativos mantidos para negociação.

  • Valor justo por meio de outros resultados abrangentes (FVOCI): ativos geridos com o objetivo de recebimento de fluxos e venda eventual.

Exemplo prático de contabilização – Debênture adquirida por R$ 980, com valor de face R$ 1.000, juros de 10% a.a., mantida até o vencimento (custo amortizado):

  • Reconhecimento da aquisição:

    java
    D – Instrumentos de dívida – Custo amortizado (Ativo) 980 C – Caixa ou bancos (Ativo) 980
  • Reconhecimento de juros efetivos (R$ 98 no primeiro ano):

    java
    D – Receita de juros (Resultado) 98 C – Instrumentos de dívida – Custo amortizado (Ativo) 98
  • Recebimento de juros contratuais (R$ 100):

    java
    D – Caixa ou bancos (Ativo) 100 C – Instrumentos de dívida – Custo amortizado (Ativo) 100

Caso a debênture seja mensurada pelo FVPL:

  • Os ajustes a valor justo são reconhecidos diretamente no resultado.

Pelo FVOCI:

  • Os ajustes vão para “outros resultados abrangentes” até a baixa.

2.1.4 Títulos Híbridos: Debêntures Conversíveis

As debêntures conversíveis combinam características de dívida e de capital próprio. São classificadas como instrumentos compostos, nos termos da IAS 32 / CPC 39. Seu valuation considera:

  • Parte de dívida → avaliada como instrumento de renda fixa convencional;

  • Opção de conversão → avaliada como derivativo embutido, geralmente por modelo binomial ou Black-Scholes.

Exemplo de contabilização (emissor): emissão por R$ 1.000, sendo R$ 950 atribuídos à dívida e R$ 50 à opção de conversão:

mathematica
DCaixa ou bancos 1.000 CDebêntures a pagar (Passivo) 950 CReserva de capitalOpção de conversão (PL) 50

Esses instrumentos são amplamente usados por startups e empresas em crescimento, pois postergam a diluição acionária e sinalizam compromissos com investidores qualificados.


2.2 Instrumentos de Renda Variável

2.2.1 Definição e Estrutura

Instrumentos de renda variável representam participação no capital social de empresas e não oferecem remuneração contratual garantida. Incluem:

  • Ações ordinárias e preferenciais;

  • Units (ex: SANB11);

  • ETFs, BDRs e FIIs.

Seu valor decorre da expectativa de lucros futuros, governança, condições macroeconômicas e percepção de risco.

2.2.2 Valuation: Modelos e Aplicações

Além do modelo de Gordon-Shapiro (crescimento constante de dividendos), outras abordagens incluem:

  • Fluxo de Caixa Descontado (DCF):

    • Avaliação pelo fluxo de caixa livre da firma (FCFF) ou do acionista (FCFE);

    • WACC como taxa de desconto.

  • Múltiplos de mercado:

    • P/L, P/VPA, EV/EBITDA comparados com pares do setor.

  • Modelos com opções reais:

    • Consideram flexibilidades gerenciais em contextos incertos.

Exemplo prático: A Ambev utiliza valuation baseado em FCFE, dado seu histórico de geração de caixa e política de dividendos. Já empresas de tecnologia com crescimento acelerado tendem a ser avaliadas por múltiplos ou opções reais.

2.2.3 Contabilização: Com e Sem Influência Significativa

(a) Sem influência significativa (até 20%)
  • Avaliação a valor justo:

    • FVPL → variação no resultado;

    • FVOCI → variação em outros resultados abrangentes.

Exemplo – compra de ações da Petrobras por R$ 10.000 (FVPL):

scss
D – Investimentos – Ações (Ativo) 10.000 C – Caixa ou bancos (Ativo) 10.000

Se no fim do período o valor justo for R$ 11.000:

scss
D – Investimentos – Ações (Ativo) 1.000 C – Receita com ganho de capital (Resultado) 1.000
(b) Com influência significativa (20% a 50%) – Método da Equivalência Patrimonial (MEP)

Exemplo – Investimento de R$ 100.000 na JBS, com 30% de participação. Lucro do período = R$ 60.000:

  • Compra:

    java
    D – Investimentos em coligadas (Ativo) 100.000 C – Caixa ou bancos (Ativo) 100.000
  • Reconhecimento do lucro proporcional:

    mathematica
    DInvestimentos em coligadas (Ativo) 18.000 CReceita de equivalência patrimonial 18.000
  • Recebimento de dividendos (ex: R$ 5.000):

    scss
    D – Caixa (Ativo) 5.000 C – Investimentos em coligadas (Ativo) 5.000

Essas operações também afetam os indicadores de desempenho, como ROE e lucro por ação.


2.3 Implicações para Decisão, Ensino e Regulação

A escolha entre instrumentos de renda fixa e variável impacta:

  • Para o investidor: risco, retorno, tributação e liquidez;

  • Para a empresa: estrutura de capital, diluição e custo financeiro;

  • Para o contador e o analista: impacto em DRE, fluxo de caixa e indicadores.

No ensino, o tema favorece abordagens integradas entre valuation, finanças corporativas e contabilidade societária. Na regulação, destaca-se a importância de normas claras (ex: CPC 48 e 39) para mensuração, evidência e transparência.


3. Considerações Finais

O presente artigo explorou os principais instrumentos de renda fixa e variável sob as perspectivas de valuation, contabilização e aplicação prática. Buscou-se responder ao dilema entre instrumentos de dívida e participação acionária, especialmente em contextos como captação de recursos, análise contábil e regulação.

Demonstrou-se que a decisão ótima depende do perfil de risco do investidor, do estágio de desenvolvimento da empresa e da correta interpretação das normas contábeis. A compreensão dos efeitos dos instrumentos na demonstração de resultados, no balanço patrimonial e no fluxo de caixa operacional é crucial para garantir análises consistentes e decisões fundamentadas.

Entre as limitações, destaca-se a complexidade de mensuração de instrumentos compostos e a subjetividade na aplicação de valor justo em mercados com baixa liquidez. No entanto, o aprofundamento do tema representa uma contribuição relevante tanto para a formação acadêmica quanto para a prática profissional e a formulação de políticas públicas.


4. Referências

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Carvalho, F. C., Ribeiro, K. C. S., & Leal, R. P. C. (2012). Determinantes dos retornos das ações no Brasil: uma análise baseada em fatores. Revista Brasileira de Finanças, 10(3), 379–410.

Fabozzi, F. J. (2016). Bond Markets, Analysis and Strategies (9th ed.). Pearson.

Fama, E. F., & French, K. R. (1992). The cross‐section of expected stock returns. The Journal of Finance, 47(2), 427–465.

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Gordon, M. J., & Shapiro, E. (1956). Capital equipment analysis: The required rate of profit. Management Science, 3(1), 102–110.

IASB. (2014). IFRS 9 Financial Instruments. International Accounting Standards Board.

IASB. (2011). IAS 32 Financial Instruments: Presentation. International Accounting Standards Board.

Markowitz, H. (1952). Portfolio selection. The Journal of Finance, 7(1), 77–91.

Silva, R. C., Rodrigues, A. C., & Costa, J. F. (2021). Determinantes da emissão de debêntures pelas empresas brasileiras. Revista Contabilidade & Finanças, 32(87), 120–135.

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