O objetivo deste artigo é analisar, de forma sistemática e aplicada, os principais aspectos contábeis e fiscais relacionados aos tributos sobre o lucro no Brasil, com ênfase nos regimes do Lucro Real e nos desdobramentos técnicos e normativos introduzidos pelo CPC 32 – Tributos sobre o Lucro. A abordagem adotada considera o entrelaçamento entre a contabilidade societária e a fiscal, a lógica dos ajustes via LALUR, a natureza das diferenças permanentes e temporárias, e os efeitos do reconhecimento de ativos e passivos fiscais diferidos na mensuração do resultado contábil.
A tributação sobre o lucro é, por natureza, um campo de
interseção entre a contabilidade financeira e o direito tributário. Em países
como o Brasil, onde a legislação fiscal historicamente exerceu forte influência
sobre as práticas contábeis societárias, esse entrelaçamento assumiu contornos
particularmente complexos. O processo de convergência às normas internacionais
de contabilidade – iniciado com a promulgação da Lei n.º 11.638/07 e
institucionalizado pela adoção obrigatória do CPC 32 – impôs a necessidade de
dissociação entre os critérios fiscais e contábeis, especialmente para empresas
sujeitas à tributação pelo Lucro Real.
A dissociação, entretanto, não ocorreu de forma isenta de
conflitos. Um problema prático recorrente enfrentado por contadores, auditores
e analistas é a apuração de tributos sobre o lucro em contextos nos quais a
contabilidade societária reconhece receitas ou despesas com base no regime de
competência, mas a legislação fiscal determina o reconhecimento pelo regime de
caixa ou com critérios próprios. Essa desconexão gera diferenças temporárias,
exigindo ajustes técnicos no reconhecimento de tributos diferidos e,
consequentemente, impactando o lucro líquido reportado nas demonstrações
financeiras.
Para ilustrar esse dilema, considere o seguinte caso: uma
empresa reconhece, no exercício de 20X0, uma despesa com provisão para perdas
com créditos de liquidação duvidosa (PECLD) de R$ 1 milhão. Do ponto de vista
societário, essa despesa é legítima, refletindo o princípio da prudência. Do
ponto de vista fiscal, entretanto, tal despesa não é dedutível naquele
exercício, sendo adicionada ao lucro contábil na Parte A do LALUR. Caso essa
perda se realize no exercício seguinte (20X1), ela será então excluída, gerando
efeitos fiscais compensatórios. O correto tratamento dessa situação depende do
reconhecimento de um ativo fiscal diferido no exercício de 20X0, seguido de sua
reversão no exercício subsequente – procedimento que exige domínio técnico das
normas contábeis, fiscais e das práticas de controle gerencial.
Ao longo deste artigo, esse e outros exemplos serão
utilizados para discutir, à luz da teoria e da evidência empírica, os desafios
e implicações da contabilização dos tributos sobre o lucro no Brasil. A análise
incluirá dados e demonstrações extraídas de companhias abertas brasileiras,
como Braskem, Marfrig e Gerdau, que evidenciam os impactos materiais dos
tributos diferidos sobre seus resultados. Ao final, serão discutidas as
implicações práticas para o exercício da contabilidade profissional, para a análise
econômico-financeira e para a formulação de políticas públicas voltadas à
transparência e neutralidade da tributação corporativa.
2. Desenvolvimento
2.1 A Separação entre Contabilidade Societária e Fiscal:
Da Influência do Fisco à Convergência às IFRS
Historicamente, a contabilidade no Brasil esteve fortemente
subordinada às exigências do Fisco, a ponto de o lucro contábil ser
frequentemente moldado de acordo com os critérios da legislação tributária. Até
o final da década de 2000, era comum que empresas ajustassem suas demonstrações
financeiras para minimizar o lucro tributável, mesmo que isso comprometesse a
qualidade da informação contábil para fins decisórios. Essa prática, conhecida
como “contabilidade fiscal”, refletia uma visão legalista da escrituração
contábil, pouco alinhada com os princípios de relevância e fidedignidade das
normas internacionais.
Com a edição da Lei n.º 11.638/2007 e da Lei n.º
11.941/2009, o Brasil iniciou um processo formal de convergência às International
Financial Reporting Standards (IFRS), liderado pelo Comitê de
Pronunciamentos Contábeis (CPC). Para preservar a neutralidade tributária
durante esse período de transição, foi instituído o Regime Tributário de
Transição (RTT), por meio da Medida Provisória n.º 449/2008, posteriormente
convertida na Lei n.º 11.941/09. O RTT determinava que as alterações
introduzidas pelas IFRS não surtiriam efeitos fiscais até que nova legislação
tributária fosse aprovada.
Com isso, consolidou-se a separação entre a contabilidade
societária, elaborada com base nas normas internacionais, e a contabilidade
fiscal, baseada no Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99). No regime do Lucro
Real, as empresas passaram a calcular a base de incidência do IRPJ e da
CSLL com base no lucro contábil ajustado por adições, exclusões e
compensações, registrados no LALUR – Livro de Apuração do Lucro Real.
Esse instrumento ganhou centralidade na gestão tributária das companhias e
exigiu maior integração entre áreas contábil, fiscal e jurídica.
No plano normativo, o tratamento contábil das diferenças
entre lucro contábil e lucro fiscal passou a ser regido pelo Pronunciamento
Técnico CPC 32 – Tributos sobre o Lucro, convergente com a IAS 12. Esse
pronunciamento define critérios para reconhecimento, mensuração e evidenciação
de ativos e passivos fiscais diferidos, com base nas diferenças
temporárias e na expectativa de realização de lucros tributáveis futuros. Sua
correta aplicação exige não apenas conhecimento técnico, mas também julgamento
contábil em contextos de incerteza.
A tabela abaixo sintetiza as diferenças principais entre os
enfoques societário e fiscal após a adoção das IFRS:
Critério |
Contabilidade Societária (IFRS + CPCs) |
Contabilidade Fiscal (RIR/99) |
Base de reconhecimento |
Regime de competência |
Regime misto (competência + exceções legais) |
Objetivo principal |
Informação útil para investidores e credores |
Cálculo do tributo devido |
Autoridade normativa |
CPC / CVM / IASB |
Receita Federal / RIR / INs |
Reconhecimento de provisões |
Com base em estimativas e riscos |
Em geral, dedutível apenas quando realizadas |
Equiparação entre LAIR e Lucro Real |
Não obrigatória (diferenças esperadas) |
Requer ajuste via LALUR |
Esse cenário de dupla contabilidade exige do contador um
papel técnico, ético e analítico, pois ele deve não apenas aplicar corretamente
normas distintas, mas também comunicar com clareza os efeitos dessas diferenças
para usuários diversos das demonstrações contábeis.
2.2 O LALUR e os Ajustes ao Lucro Contábil: Adições,
Exclusões e Compensações
Para as empresas tributadas pelo regime do Lucro Real,
o ponto de partida para a apuração do lucro tributável é o Lucro Líquido do
Exercício (LAIR), apurado segundo as normas societárias. No entanto, esse
lucro deve ser ajustado conforme disposições da legislação fiscal, dando origem
ao chamado Lucro Real. O instrumento técnico-contábil para
operacionalizar essa reconciliação é o LALUR – Livro de Apuração do Lucro
Real, hoje em formato eletrônico (e-LALUR), dividido em duas partes: Parte
A, destinada aos ajustes no período corrente, e Parte B, ao controle
de efeitos que se projetam para exercícios futuros.
A legislação fiscal brasileira, especialmente o Regulamento
do Imposto de Renda (RIR/2018), prescreve três tipos de ajustes ao lucro
contábil:
a) Adições
As adições são acréscimos ao lucro contábil,
correspondentes a despesas ou perdas reconhecidas na contabilidade societária,
mas que não são dedutíveis para fins fiscais. As principais hipóteses de adição
incluem:
- Provisões
não efetivamente realizadas (trabalhistas, fiscais, garantias);
- Multas
administrativas e tributárias;
- Despesas
com brindes e doações não autorizadas;
- Resultado
negativo de equivalência patrimonial;
- Depreciação
sobre valores de reavaliação não reconhecidos fiscalmente.
Exemplo prático (DRE vs. LALUR):
Em 20X0, uma empresa reconhece R$ 1.000 em provisão para garantias futuras.
Contabilmente, isso reduz o lucro. No entanto, como tal provisão não é
dedutível, o valor é adicionado no LALUR, aumentando o Lucro Real para fins de
IRPJ/CSLL.
b) Exclusões
As exclusões consistem na retirada de receitas ou
ganhos reconhecidos na contabilidade societária que não são tributáveis de
acordo com a legislação fiscal. Entre os casos comuns:
- Receita
de dividendos recebidos de coligadas avaliadas pelo custo;
- Reversão
de provisões anteriormente adicionadas;
- Resultado
positivo de equivalência patrimonial;
- Receitas
com contratos de longo prazo com o governo, já reconhecidas contabilmente,
mas ainda não tributáveis.
Exemplo prático:
No exercício de 20X0, a empresa reconhece contabilmente R$ 1.000 como resultado
de equivalência patrimonial. Como essa receita não é tributável, deve ser
excluída na Parte A do LALUR, reduzindo o Lucro Real.
c) Compensações
A legislação permite que prejuízos fiscais acumulados em
exercícios anteriores sejam compensados com lucros futuros, até o limite
de 30% do Lucro Real apurado no período. Essa limitação impõe um
diferimento fiscal, na medida em que parte do lucro permanece tributável mesmo
havendo prejuízos acumulados.
Exemplo prático (MARFRIG – 2010):
A empresa apresentou um resultado contábil negativo em X0, gerando um ativo
fiscal diferido. No exercício seguinte (X1), com lucro contábil positivo, pôde
compensar parte do prejuízo anterior, reduzindo a base de cálculo do IR e CSLL.
Considerações operacionais do LALUR:
Ajuste |
Impacto sobre o Lucro Real |
Regime |
Exemplo |
Adição |
Aumenta |
Fiscal |
Provisão trabalhista não realizada |
Exclusão |
Reduz |
Fiscal |
Receita de dividendos não tributável |
Compensação |
Reduz |
Fiscal (limitado) |
Prejuízo acumulado de exercícios anteriores |
Esses ajustes são formalizados no e-LALUR, cuja
correta manutenção é obrigatória para fins de fiscalização e auditoria. A
omissão ou erro nos registros pode acarretar autuações fiscais relevantes,
especialmente em grandes companhias.
2.3 Diferenças Permanentes e Temporárias: A Reconciliação
entre Resultado Contábil e Lucro Tributável segundo o CPC 32
A adoção das normas internacionais de contabilidade no
Brasil e a consequente separação entre os critérios societários e fiscais
exigiram o reconhecimento, pela contabilidade, dos efeitos fiscais futuros das
diferenças entre o lucro contábil e o lucro tributável. O instrumento normativo
que disciplina essa matéria é o Pronunciamento Técnico CPC 32 – Tributos
sobre o Lucro, convergente à IAS 12.
De acordo com o CPC 32, a diferença entre o resultado
contábil (LAIR) e o lucro tributável (Lucro Real) pode ser classificada em dois
grandes grupos:
a) Diferenças Permanentes
As diferenças permanentes são aquelas que não se
revertem ao longo do tempo. Elas existem exclusivamente no resultado contábil
ou exclusivamente no lucro tributável, mas não nos dois. Como não geram efeitos
fiscais futuros, não são objeto de reconhecimento de tributos diferidos.
Exemplos clássicos:
- Multas
e doações não dedutíveis (existem apenas contabilmente);
- Receita
de equivalência patrimonial (excluída do Lucro Real, mas reconhecida
no LAIR).
Exemplo numérico (slide):
LAIR = R$ 31.000
Receita de equivalência: R$ 1.000 (diferença permanente)
Lucro Real = R$ 30.000
→ Nenhum imposto diferido é reconhecido.
b) Diferenças Temporárias
As diferenças temporárias ocorrem quando receitas ou
despesas são reconhecidas em períodos distintos para fins contábeis e fiscais.
Por afetarem o lucro tributável em exercícios futuros, devem gerar o
reconhecimento de tributos diferidos.
As diferenças temporárias se dividem em:
- Dedutíveis
no futuro (Ativos fiscais diferidos): despesas reconhecidas
contabilmente antes de serem aceitas fiscalmente.
- Tributáveis
no futuro (Passivos fiscais diferidos): receitas reconhecidas
contabilmente antes de sua tributação.
Exemplo de ativo fiscal diferido (slide PECLD):
- Em
X0, a empresa registra uma despesa de R$ 1.000 com PECLD, não dedutível
naquele exercício.
- No
LALUR, o valor é adicionado ao lucro contábil.
- Reconhece-se
um ativo fiscal diferido de R$ 340 (34%).
- Em
X1, com a efetiva perda, ocorre a exclusão no LALUR e a baixa do ativo
fiscal diferido.
Exemplo de passivo fiscal diferido (slide receita de
longo prazo):
- Receita
reconhecida contabilmente em X0, mas não tributável naquele ano.
- O
valor é excluído no LALUR.
- Reconhece-se
um passivo fiscal diferido.
- Em
X1, quando a receita se torna tributável, há a reversão do passivo
diferido.
Abaixo, apresentamos um quadro-resumo com os principais
efeitos e lançamentos contábeis:
Tipo de Diferença |
Exemplo |
Efeito Fiscal Futuro |
Conta Contábil Reconhecida |
Permanente |
Multas, equivalência patrimonial |
Nenhum |
Nenhum |
Temporária – Ativo |
PECLD, provisões trabalhistas |
Dedução futura |
Ativo fiscal diferido |
Temporária – Passivo |
Receita diferida (ex: governo) |
Tributação futura |
Passivo fiscal diferido |
Compensação de prejuízo |
Prejuízo fiscal de anos anteriores |
Dedução futura (limitada) |
Ativo fiscal diferido (cond.) |
Importância para a qualidade da informação contábil
O reconhecimento de tributos diferidos promove a correta
mensuração da despesa tributária no resultado do exercício, aproximando a
carga tributária reconhecida da efetivamente devida ao longo do tempo.
Entretanto, esse processo exige julgamento profissional, especialmente
nos casos de ativos fiscais diferidos sobre prejuízos fiscais acumulados,
que só podem ser reconhecidos se for provável a realização de lucros
tributáveis futuros.
Esse ponto foi objeto de destaque em diversos pareceres
técnicos da CVM e nas demonstrações financeiras de empresas como a Gerdau
e a Marfrig, cujos saldos expressivos de prejuízos acumulados exigiram
nota explicativa específica sobre a probabilidade de recuperação desses
ativos.
2.4 Tributos Diferidos e Seus Impactos na Análise
Contábil e Financeira das Empresas
O reconhecimento de ativos e passivos fiscais diferidos,
conforme previsto no CPC 32, pode gerar impactos significativos nas
demonstrações contábeis, afetando não apenas o lucro líquido, mas também
indicadores financeiros como ROE, margem líquida, EBITDA ajustado e valor
contábil por ação. A correta leitura e interpretação desses efeitos é
essencial para contadores, analistas financeiros e investidores.
2.4.1 O Caso Marfrig (2010): Ativo Fiscal Diferido e
Reversão de Prejuízos
Em 2010, a Marfrig reportou, conforme demonstrações
publicadas, um lucro líquido que foi fortemente impactado por tributos
diferidos ativos. Apesar de apresentar prejuízo contábil no exercício
anterior, a empresa reconheceu ativos fiscais diferidos sobre prejuízos fiscais
acumulados, com base em projeções de rentabilidade futura.
Esse movimento resultou em uma situação contábil peculiar: o
lucro líquido foi positivo mesmo com uma LAIR negativa, como demonstrado
nos slides do curso (caso Marfrig 2010). Isso ocorreu porque a constituição do
ativo fiscal diferido gerou um efeito positivo na linha de “imposto de renda
e contribuição social”, transformando uma despesa em receita contábil.
Esse tipo de situação exige análise crítica dos usuários das
demonstrações contábeis: trata-se de um lucro sustentável? Ou decorre de
reconhecimento contábil de ativo que depende de premissas futuras incertas?
Reflexão importante para a análise fundamentalista:
ativos fiscais diferidos inflacionam o lucro líquido sem representar
necessariamente geração de caixa no curto prazo. O analista deve observar notas
explicativas e simulações de realização desses ativos para avaliar sua
legitimidade.
2.4.2 Braskem e o Regime Tributário de Transição (RTT)
Em 2010, a Braskem foi uma das companhias que mais
evidenciaram os efeitos do RTT. Como descrito nos slides, a empresa reportou em
suas notas explicativas os impactos da neutralização tributária das normas do
IFRS, especialmente no que tange à mensuração de ativos e passivos por valor
justo, provisões, reavaliações e equivalência patrimonial.
O RTT impediu que essas mudanças contábeis alterassem o
lucro tributável, exigindo lançamentos de ajustes fiscais no LALUR e, em
diversos casos, o reconhecimento de passivos fiscais diferidos. A
análise da DRE da empresa permite observar uma diferença relevante entre a
despesa contábil de tributos e os valores efetivamente pagos, evidenciando o
papel dos diferimentos.
2.4.3 Gerdau: Transparência no Reconhecimento e Reversão
de Diferidos
A Gerdau, em sua demonstração de 2010, destacou de forma
pedagógica a metodologia de cálculo dos tributos diferidos ativos e passivos,
em especial no que se refere à recuperação de prejuízos fiscais anteriores. A
empresa explicitou os critérios utilizados para demonstrar a probabilidade
de geração de lucros futuros – pré-condição para o reconhecimento do ativo
fiscal diferido.
Esse é um ponto central do CPC 32: ativos fiscais diferidos
não podem ser reconhecidos indiscriminadamente. Eles exigem evidência
objetiva, como orçamentos plurianuais, histórico de lucros, planejamento
tributário aprovado e indicadores setoriais. A Gerdau apresentou tais
evidências nas suas notas explicativas, dando maior confiabilidade aos números
reportados.
2.4.4 Efeitos sobre Indicadores de Desempenho
O reconhecimento de tributos diferidos pode alterar
significativamente a leitura de indicadores contábeis e financeiros. Considere
os seguintes impactos:
Indicador |
Impacto dos Diferidos |
Risco Analítico |
Lucro Líquido |
Pode ser inflado por reconhecimento de ativo diferido |
Lucro não recorrente |
Margem Líquida |
Distorcida pela diferença entre resultado e caixa |
Superestimação da lucratividade |
EBITDA vs. Lucro Líquido |
Diferenças aumentam a distância entre indicadores |
Pode indicar inconsistência operacional |
ROE |
Inflado por lucro contábil elevado |
Pode comprometer avaliação de rentabilidade |
Valor contábil por ação |
Elevado artificialmente se há ativo fiscal relevante |
Pode distorcer métricas de valuation |
Essas distorções ressaltam a importância da leitura atenta
das notas explicativas e da concorrência entre critérios contábeis e
fiscais, sobretudo em países com regimes tributários complexos e com baixa
previsibilidade regulatória, como é o caso brasileiro.
3. Considerações Finais
Este artigo teve por objetivo analisar os tributos sobre o
lucro sob a ótica contábil e fiscal, com foco no regime do Lucro Real, nos
ajustes via LALUR e nos princípios do CPC 32. Partimos de um dilema recorrente
na prática profissional: como conciliar, de forma tecnicamente adequada e
informativamente útil, as divergências entre o resultado contábil apurado pelas
normas internacionais e o lucro tributável estabelecido pela legislação fiscal
brasileira.
A solução desse problema exige a compreensão profunda dos
mecanismos de adições, exclusões e compensações, que ajustam o lucro contábil
no LALUR, bem como dos fundamentos teóricos que norteiam o reconhecimento de
tributos diferidos. Demonstramos que diferenças permanentes não geram efeitos
futuros e, portanto, não justificam o reconhecimento contábil de ativos ou
passivos fiscais. Já as diferenças temporárias — como provisões não dedutíveis,
receitas diferidas ou prejuízos fiscais acumulados — exigem controles
específicos e avaliação crítica da capacidade de recuperação futura, conforme
exigido pelo CPC 32.
A análise empírica de demonstrações de empresas como Marfrig,
Gerdau e Braskem mostrou que os tributos diferidos podem alterar
substancialmente a leitura de indicadores financeiros, elevando o lucro líquido
mesmo na ausência de geração de caixa corrente. Isso reforça a necessidade de
um olhar analítico e ético por parte dos contadores e analistas, tanto
na elaboração quanto na interpretação das demonstrações financeiras.
Do ponto de vista da aplicação prática, a correta
mensuração dos tributos sobre o lucro é indispensável não apenas para o
cumprimento das obrigações fiscais, mas também para a elaboração de informações
contábeis fidedignas e úteis aos usuários externos, como investidores, credores
e reguladores. Além disso, o domínio técnico desse tema é essencial para o
exercício ético da profissão contábil, pois o planejamento tributário, embora
legítimo, deve observar os limites legais e os princípios de transparência e
neutralidade informacional.
Em termos de implicações para o ensino, o tema dos
tributos sobre o lucro deve ser tratado com forte articulação entre teoria e
prática, promovendo a interdisciplinaridade entre contabilidade financeira,
legislação tributária e análise de demonstrações. A construção de casos reais
em sala de aula, com base em demonstrações de companhias abertas, é recomendada
como estratégia pedagógica eficaz.
Por fim, do ponto de vista da política pública, o
cenário brasileiro continua marcado por elevada complexidade e insegurança
jurídica na tributação sobre o lucro. A persistente coexistência de normas
contábeis internacionalizadas e regras fiscais localistas sugere a urgência de
uma reforma tributária que integre esses dois mundos, com vistas a promover a
neutralidade tributária, a transparência fiscal e a qualidade da informação
contábil.
4. Referências
Associação Brasileira de Normas Técnicas. (2019). CPC 32
– Tributos sobre o Lucro. Comitê de Pronunciamentos Contábeis. Disponível
em: https://www.cpc.org.br
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tributária: impactos dos tributos sobre o lucro no resultado das companhias
brasileiras. Revista de Contabilidade e Organizações, 9(26), 55–70.
https://doi.org/10.11606/rco.v9i26.102371
Deloitte Touche Tohmatsu. (2011). Demonstrações contábeis
consolidadas da Marfrig Alimentos S.A. Encerradas em 31 de dezembro de
2010. Arquivo disponível na CVM: www.cvm.gov.br
Ernst & Young. (2013). IFRS no Brasil: desafios e
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Guedes, J. M., & Galdi, F. C. (2012). Reconhecimento de
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usuários externos. Revista de Educação e Pesquisa em Contabilidade (REPeC),
6(1), 46–62.
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(2012). Orientação Técnica OCPC 07 – Evidenciação de tributos diferidos e
reconhecimento de prejuízos fiscais. São Paulo: IBRACON.
KPMG Brasil. (2010). Demonstrações financeiras da Braskem
S.A., encerradas em 31 de dezembro de 2010. Arquivo disponível na CVM: www.cvm.gov.br
Lei n.º 11.638, de 28 de dezembro de 2007. Altera e revoga
dispositivos da Lei n.º 6.404/76 e da Lei n.º 6.385/76, para a introdução dos
padrões internacionais de contabilidade. Diário Oficial da União.
Lei n.º 11.941, de 27 de maio de 2009. Conversão da Medida
Provisória n.º 449/08, que institui o Regime Tributário de Transição. Diário
Oficial da União.
Martinez, A. L. (2010). Contabilidade Tributária. São
Paulo: Atlas.
Medeiros, O. R., & Vasconcelos, A. C. S. (2014). Análise
da relevância dos ativos fiscais diferidos nas empresas do setor industrial no
Brasil. Revista Universo Contábil, 10(4), 6–27.
Regulamento do Imposto de Renda – RIR/2018. Decreto nº
9.580, de 22 de novembro de 2018.
Silva, A. C. & Lima, M. G. (2011). Lucro contábil e lucro tributável: uma abordagem sob a perspectiva da contabilidade societária e da fiscal. Revista Contemporânea de Contabilidade, 8(16), 43–62.
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