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segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Existem evidências de negociações anormais no caso da JBS?

A JBS, por meio de seus controladores protagonizou um dos casos mais polêmicos do mercado de ações brasileiro nos últimos anos. É sobre esse caso que quero mais uma vez falar, porém não estou fazendo acusação a ninguém. O objetivo do post é analisar se houve ou não alguma evidência de negociação anormal no caso da delação.

Antes de tudo, gostaria de informar que eu dividi o post em duas partes, fora a introdução: (1) a primeira trata da denúncia do Ministério Público Federal e a (2) segunda trata da análise dos movimentos dos preços das ações.

Assim, o leitor poderá pular, caso queira, para a seção que for de seu interesse.

Obs.: uma pequena importante observação antes de continuar a postagem, agradeço ao meu orientando de PIBIC Glauco Graco Pordeus por ter tido um grande trabalho de coletar os dados e rodar os modelos para mim. Aqui vocês podem ter acesso a um vídeo feito por ele, sobre como coletar dados de alta frequência.

INTRODUÇÃO

Pouco antes de ser divulgado um acordo de delação premiada dos seus controladores, houve uma grande movimentação de compra de ações e dólares por parte da tesouraria da empresa e venda de ações por parte dos controladores.

Dessa forma, o objetivo desse post é analisar se houve ou não evidências de negociações anormais com as ações da JBS, em torno da divulgação do acordo de delação premiada feito pelos seus acionistas controladores.

Eu não estou analisando aqui se a empresa tinha ou não programa de recompra de ações aprovado ou se precisava ou não comprar dólares

O foco é puramente na movimentação do preço da ação e também dos contratos de dólar futuro, como exemplo de aplicação do modelo de microestrutura de mercado de Easley e O'Hara (2002-Journal of Finance).

Os modelos de microestrutura de mercado, para os menos familiarizados, nos fornecem informações sobre eventos baseados em informações privadas, sendo que a literatura empírica sobre este tema aponta que existe ligação entre as informações privadas e as ofertas de compra e venda das ações (Easley & O'Hara, 2002).

Para mais aplicações empíricas, é possível ler alguns artigos brasileiros que nós publicamos sobre isso:
Avaliação de empresas e probabilidade de negociação com informação privilegiada no mercado brasileiro de capitais
Negociação com informação privilegiada e retorno das ações na BM&FBOVESPA

Existem também vários posts aqui no blog em que eu cito o caso da JBS e que vocês podem ler, caso tenham interesse em entender o que aconteceu, do meu ponto de vista.

No primeiro link, do dia 19, eu tentei explicar de forma direta o que aconteceu e porque que eu não achei correto/ético as negociações e como isso prejudica o nosso mercado de capitais:
19/05/2017 - Operações da JBS: até quando a CVM vai permitir isso?
25/05/2017 - Reclamação enviada à CVM
09/06/2017 - Negociações dos insiders: sempre aos 45 do segundo tempo
14/07/2017 - Negociações dos Insiders: JBS
Existe também a possibilidade de buscar em outras fontes (como alguns jornais e sites especializados).


DENÚNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

A denúncia do MPF inicia basicamente dizendo o seguinte (acesse aqui o documento completo):
Consta dos autos que JOESLEY BATISTA na qualidade de Diretor Presidente  da  J&F  INVESTIMENTOS  S/A  e  Presidente  da  FB  PARTICIPAÇÕES (controladora da JBS) e  WESLEY BATISTA,  na qualidade de Diretor Presidente da JBS S/A, durante o período de 02 de março de 2017 a 17 de maio de 2017, (1)   utilizaram informação relevante (Acordo de Colaboração Premiada) não divulgada ao mercadode que tinham conhecimento e da qual deveriam manter sigilo, capaz de propiciar, para eles vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio com valores mobiliários,  praticando, assim o delito de Insider Trading previsto no Artigo 27, D, da Lei 6.385/76
Os grifos são meus.

Dessa forma, partimos do pressuposto de que as evidências analisadas pelo MPF levam a crer que houve insider trading ilegal. Mais a frente eu falarei um pouco sobre algumas evidências de negociações anormais, tanto nas ações da JBS, quanto no dólar futuro.

Outro trecho merece destaque na denúncia por evidenciar o montante do estrago no nosso mercado de capitais, que já é tão desacreditado. O trecho cita o laudo da perícia realizada por agentes federais:

“Em resumo, o vazamento da delação e de conteúdo de gravações na noite de 17/05 causaram no dia 18 (e no mercado norte-americano ainda no próprio dia 17) dentre outros efeitos extremos, quedas do Ibovespa   (8,8%   -   maior  queda  em  1  dia  desde  2008)  e  de  JBSS3 próxima a 10%, Petr4 de 15%, o EWZ próximo a 16% e o dólar à   vista alta de cerca de 9%, a maior em um dia desde a maxidesvalorização  cambial de janeiro de 1999” (fls. 118)

A denúncia do MPF apresenta diversas evidências de insider trading e manipulação de mercado.

Recomendo a leitura completa, para os interessados neste assunto tirarem suas próprias conclusões.

Agora vamos a algumas evidências de negócios anormais na ação da JBS.

EXISTEM EVIDÊNCIAS DE INSIDER TRADING NA JBS?

No ano de 2017 todo, os controladores da JBS só começaram a vender ações da empresa a partir do dia 20/04/2017, próximo da data da assinatura do acordo de delação premiada, que ocorreu no dia 03/05/2017. 

Por si só, isso não é efetivamente uma grande evidência de que alguém negociou com informação privada, mas é um fato pelo menos curioso.

Vamos aos números...

ANÁLISE DOS MOVIMENTOS ANORMAIS NAS AÇÕES DA JBS

Se avaliarmos a probabilidade de negociação com informação privada (PIN), podemos verificar que no período pré-vazamento da delação há uma alta probabilidade de negociações "bem informadas" na ação da JBS ($JBSS3) e que essa probabilidade é crescente até o dia do vazamento, quando ela cai abruptamente.

Isso quer dizer que é possível que alguém estivesse fazendo negociações anormais dias antes do resultado da delação ser vazado.

A delação foi feita no dia 03/05/2017, tendo sido homologada em 11/05/2017. O vazamento ocorreu no dia 17/05/2017 (ver aqui). 

Cabe ressaltar que no dia 17/05/2017 os controladores da JBS venderam pouco mais de R$ 35 milhões de reais em ações da empresa. No mês de maio, os controladores venderam em torno de R$ 155 milhões em ações da empresa.

PIN da JBSS3, com janelas móveis de 60 dias finalizando na data indicada em cada barra do gráfico

Olhando agora especificamente para um dos componentes da PIN (o alpha) que representa a probabilidade de ocorrer um evento informacional naquele período, percebemos no dia antes do vazamento que essa taxa é mais alta do que nos períodos anteriores e muito mais alta com relação ao mesmo período do ano anterior.

Todavia, não houve nenhum fato relevante que justificasse tal chegada de eventos informacionais, conforme podemos verificar no site de relações com investidores da empresa.

Sobre os fatos relevantes da JBS, houve uma divulgação no dia 10/02/2017 (aprovação do novo plano de recompra de ações, que possibilitou que a tesouraria pudesse comprar as ações que estavam disponíveis para venda - inclusive dos próprios controladores) e outro no dia 13/03/2017 (aquisição da Plumrose).

Após isso, o próximo fato relevante apenas foi divulgado no dia 26/05/2017, sobre a eleição de Tarek Farahat para a presidência do Conselho de Administração.

Ou seja, nenhum fato relevante nos arredores do vazamento da delação.



ANÁLISE DOS MOVIMENTOS ANORMAIS NO DÓLAR FUTURO

Analisando agora os movimentos anormais no dólar futuro, verificamos que as maiores PINs são nos dias anteriores ao vazamento da delação, evidenciando mais uma vez que alguém fez o mercado movimentar anormalmente.



A evidência acima é corroborada pelo alpha pré-vazamento da delação que subiu muito fortemente, comparado com o ano e meses anteriores.



CONCLUSÃO

As evidências apontadas pelos modelos de microestrutura de mercado evidenciam que aconteceram negociações anormais no período pré-vazamento da delação, contudo nossos dados não permitem informar quem foi que negociou com tais informações.

Os nossos dados são apenas relativos aos preços e horários das negociações, com frequência de 1 minuto.

Para saber efetivamente quem negociou, é preciso que haja um trabalho mais aprofundado da CVM, que tenho certeza que já está sendo feito, ou até mesmo finalizado.

Não estou acusando os controladores de terem usado informações privadas, com a análise dos dados de microestrutura, apenas estou apontando que houve algo estranho naqueles dias que antecederam o vazamento.

P.s.: uma pequena importante observação antes de finalizar a postagem, agradeço ao meu orientando de PIBIC Glauco Graco Pordeus por ter tido um grande trabalho de coletar os dados e rodar os modelos para mim. Aqui vocês podem ter acesso a um vídeo feito por ele, sobre como coletar dados de alta frequência.

2 comentários:

  1. Efeito Contágio da Operação Carne Fraca sobre o Valor das Ações dos Principais
    Players do Mercado de Proteínas --> http://dvl.ccn.ufsc.br/congresso/arquivos_artigos/artigos/1298/20170710221307.pdf

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